O caso exposto aconteceu na cidade de São Leopoldo, onde um irmão de cor foi proibido de sentar numa praça pública, e o mais ofensivo é que existia uma lei que negava o direito de sentar em praça pública «as prostitutas e as pessoas de côr».
Depois o Prefeito enviou uma carta desmentindo o fato e tentando esclarecer a situação. Mas a notícia ocupou a capa da Alvorada por algumas edições e a indignação de toda a Frente Negra Pelotense que não duvidou em enviar uma mensagem ao prefeito e ao representante General Interventor.
Também provocou a indignação de Rodolpho Xavier que dedica um texto ao assunto, com o título de “Preconceito não existe?”
A Frente Negra Pelotense Protesta!
Em São Leopoldo Negro e Meretriz são iguais
Eis na integra os telegrams de protesto que a grandiosa instituição educacional enviou, um ao Cel. Teodomiro Porto da Fonseca Prefeito de S. Leopoldo, logar onde negro e meretriz tem o emso conceito, pois ambos não podem sentar nos bancos da «ultra moderna» praça Centenario, e outro ao Ilmo. Sr. Dr. João Carlos Machado, ora representando na Interventoria do Estado Gal. Flores da Cunha.
Ilmo. Sr. Dr. Teodomiro Porto
Digno Prefeito – S. Leopoldo
Frente Negra Pelotense associação educacional leva vossencia protesto medida Prefeitura referencia gente côr Praça Centenario tolhendo liberdade direitos cidadãos brasileiros.
Esperamos retificação ordem inqualificavel como medida patriotica.
Pela Frente Negra Humberto Freitas (Secretario Geral)
Ilmo. Sr. Dr. João Carlos Machado, excelentíssimo representante General Interventor.
Palacio Governo – P. Alegre.
Frente Negra Pelotense associação educacional leva vossencia veemente protesto determinação Prefeito São Leopoldo proibindo gente côr sentarem bancos Praça Centenario, conforme correspondencia «Diario Notícias» dezoito janeiro.
Constituindo verdadeira restrição liberdade cidadãos brasileiros, esperamos vossa patriotica justa intervenção.
Pela Frente Negra Humberto Freitas (Secretario Geral)
ULTIMA HORA
A diretoria da primeira entre as primeiras organisações de negros que Pelotas Possuiu, possue e possuirá, conquista uma vitoria, basta que se leiam abaixo os telegramas enviados pelos srs. Dr. João Carlos Machado M. D. Interventor Federal Provisorio e Cel. Teodomiro Porto da Fonseca, em resposta aos enviados pela melhor associação de negros do Estado do Rio Grande do Sula, Frente Negra pelotense, para que se veja ser a vitoria desta sociedade completa em todos os pontos de vista.
Humberto Freitas – Secretario Geral Frente Negra Pelotense – Pelotas.
Resposta vosso telegrama 30 mês findo declaro carecer inteiramente fundamento noticias referente restrição liberdade pessoas de côr determinada Prefeitura São Leopoldo.
Saudações cordeais.
João Carlos Machado.
Humberto Freitas – Secretario Geral Frente Negra Pelotense – Pelotas.
Resposta vosso telegrama de 30 passado, informo tal proibição não tem fundamento. Sómente foi proibido apontamento na referida praça, meretrizes em geral.
Saudações
Teodomiro Fonseca Prefeito.
Preconceito
José Penny desmonta o mito de que existe mais preconceito no sul do país, que a realidade é que o preconceito existe em todas as partes, de diferentes maneiras, mas está presente em todos os cantos do Brasil, e diria eu que do mundo.
Campanha Pró-Educação
Preconceito
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Este negócio de dizer que só no Sul do Paiz é onde mais existe o preconceito de côres, póde servir para os «negros incautos», que não vão além dos cafés, teatros, cinemas, casas de pastos e quando muito «empuleirados» nos celeberrimos coretos armados nos angulos das casa de diversões, bailes, «cabarets», e outros logares excusos, toca, a troco de miseraveis niqueis, alegrando com «as ultimas novidades» o elemento branco que se diverte. Para estes, o resto do paiz é um céo aberto, porque seu desenvolvimento mental não vai além daquélas necessidades. Mas para o negro que estuda, que intelectualmente se destaca, para este, o Brasil: de Norte a Sul de Leste a Oeste, está crivado do mesmo preconceito de côres que o Sul góza a fama de possuir a primazia, pois é certo que o negro educado e instruico, não repara ser possível o seu acolhimento em alguns dos lugares acima enumerados, tão secundario é tal cousa para ele.
O Negro intelectual, repara, é o seguinte: A Natureza fez a essa raça (negra) o escarneo de dar-lhe o dom da palavra e negar-lhe o discernimento; e abusando de seus recursos truncou sem piedade a linha sobre a peor das côres, fornecendo á Humanidade, no homem branco, a obra; no negro a caricatura. Palavras de Vicente Rossi em seu livro «Cosas de Negros».
O Negro educado, toma cuidado em fatos deste quilate: Vem desfilando um batalhao, onde são vistos alguns oficiais pertencentes a raça nobre de Luiz Gama, ouve-se alguns brancos dizer: «Olha a pôse dos negrinhos, até parecem gente». Eu estaria rico, se em cada vez que ouvisse proferir esta frase, ganhasse um real.
O Negro instruido, fica riste quando lê as seguintes palavras do inesquecível José do Patrocínio: «O Negro é o maior inimigo do proprio negro».
O Negro que tem o cerebro mais ou menos desenvolvido, intelectualmente falando, vê uma tropa passar em formatura de parada, fileira dupla, e quasi penetra pelo sólo, envergonhado, quando começam a desfilar os alunos dos estabelecimentos de ensino da capital, cidade, vila ou logarejo do Brasil onde no momento esteja, e não vê em milhares de rapazes que amanhã formarão a vanguarda dos intelectuais do paiz, senão um ou dois pretos, que devido a maioria dos brancos nem são notados.
O Negro cujo cerebro vai além da mesquinhez de não se orgulhar de ver a sua entrada livre nos logares onde talvez só o vicio impére, ficará por força das circunstancias, abatido, ao lembrar que o seu irmão de raça só se organiza para «sambar».
Nos estabelecimentos de ensino, quer secundario quer superior, só fazendo como fez o filosofo italiano Diogenes, isto é, saindo com uma lanterna acesa, em pleno dia, talvez encontre algum aluno preto ouvindo as suas sabias lições dos professores; mas, se sair em uma noite mergulhada em profunda treva, encontrará enlaçados, desenvolvendo no mais alto grau a arte de Tempyscore, em que os negros se orgulham de serem mestres e assim mesmo mestres destas danças chulas e sensuais, onde mais desenvolvem os instintos brutais do sexo, que a estetica da dança; uma vez que se consideram nulos para aspirarem cousas mais elevadas.
Neste terreno temos assunto para um livro, mas como este não é o nosso objetivo, vamos resumir, reptindo que só os «negros incautos» e semianalfabetizados, afirmam que além das fronteiras sul do estado o preconceito não existe.
Grande herezia, pois basta verificar que o negro instruido não quer ser negro, isto em qualquer ponto do paiz, para concluir qual não será o estado dos que mal assinam o nome, e estes constituem a maioria dos negros brasileiros, os quais podem achar que não ha preconceitos, porque seus cerebros estando embotados com assuntos tão infantis, se deixam engambelar com caramelos e outros golossímas semelhantes. Mas, para quêles que enchergam um pouco além, o Brasil, em assunto de preconceito de côres, não varia em nenhum dos quatro pontos cardeais.
José Penny
Porto Alegre, Setembro de 1934