José Moreno Penny

José Penny e o A Alvorada
27/03/2024 Jorge

José Moreno Penny era filho de uma nova geração de negros que conseguiu conquistar uma dignidade nunca vista antes. Estudou no Ginásio Pelotense com outros irmãos de cor, e teve a oportunidade de ir para a capital se preparar para entrar na Escola de Engenharia. Na juventude formou parte da Frente Negra Pelotense:

Frente Negra Pelotense

Devido aos esforços de um punhado de homens de boa vontade está fundada, nesta cidade, a Frente Negra Pelotense. Suas finalidades são as mais nobres, licitas e justas; amparar, agremiar, alfabetizar e educar as pessoas de cor, de ambos os sexos para dar-lhes o lugar a que têm direito, dentro da época, em consonância com seu caráter, a sua bondade e a sua cultura. Aqueles que têm entre nós, a cor do Patrocínio, Tobias e Lívio de Castro, os mestiços de gênio, bem podem alcançar, como é de justiça, pelo seu esforço, um lugar ao sol na civilização da terra. Raça paciente, heróica, se agremiam [sic] em boa hora pra elevar o nível cultural de seus membros, e, por isso, merecem nosso amparo e nosso aplauso (Diário Liberal, 4/09/1933, p. 1)

Mas nem sempre estes esforços encontravam o apoio imaginado entre os negros, e muitas vezes os mestiços ou mulatos se encontravam em um limbo onde não se sentiam bem vindos entre brancos ou negros. Como se verá no caso que encontrei em uma investigação:

 


No início da década de trinta vai passar a fazer parte da redação do A Alvorada uma nova geração de intelectuais negros preocupados com os mesmos problemas dos seus antecessores: discriminação racial e social; elevação moral e educacional da “raça negra” e melhoria da situação sócio-econômica do operariado pelotense. Nesse sentido, José Penny, filho de Juvenal, lançava o que seria reconhecido posteriormente por Armando Vargas como o início da “Campanha Pró-Educação” dos seus “irmãos de raça”. Neste artigo José incentivava os negros pelotenses a fundarem “em vez de sociedades de bailes e festas carnavalescas, sociedades que sejam o templo do saber”, pois acreditava “que todos estes preconceitos que ora nos deprimem finalizar-se-ão, como que por encanto” quando eles tivessem educação à altura das “outras raças”.
Os preconceitos que ele se referia estavam relacionados não somente ao preconceito dos brancos em relação aos negros, mas também aos problemas enfrentados pelos negros entre si. Segundo Armando Vargas, José Penny, “por ser de cor morena, foi censurado por um grupo de senhorinhas, também da nossa raça, que começaram a fazer crítica pelo simples fato de ser ele o comandante de uma companhia composta de jovens brancos”. Esclarecemos que José desfilava pelo Ginásio Pelotense, um dos colégios mais tradicionais da sociedade pelotense, em data cívica (19.11.32) comemorativa da “revolução de outubro” (1930). A liderança, por um negro, de “uma companhia composta de jovens brancos” filhos da elite pelotense não nos parece ser um simples fato naquela sociedade marcada pelo preconceito social e racial, conforme citado acima.
Segundo o articulista este episódio foi causado pela “falta de cultura [que] é a mãe de todas as desarmonias sociais”, conforme os padrões sociais da época era uma inversão de hierarquia social que, provavelmente, deve ter suscitado discussões acaloradas não só entre os negros mas também entre os brancos de Pelotas.
Vargas colocava que José fora, “por ser de cor morena, censurado” naquela  ituação de liderança, o que nos parece ser pouco para justificar a atitude das senhorinhas negras. A falta de educação das senhorinhas, ao que parece, se deu também por outro motivo, a saber, ser ele um dos representantes mais visíveis de uma elite negra pelotense. José era sobrinho do Doutor Penny e filho de Juvenal, dono do jornal A Alvorada que possuía, na época, tipografia própria onde produzia trabalhos para terceiros e de uma fábrica de fogos de artifício, o que não era pouco para uma comunidade negra empobrecida. José em comentário àquele episódio, escreveu: “É por isso que todos aqueles da raça que conseguem se elevar um pouquinho, logo tratam de se afastarem dos seus irmãos”, pois sabem que mais cedo ou mais tarde serão expostos a alguma tentativa de ridículo. Aquela situação, ser ridicularizado em público por seus irmãos de raça, parece ter despertado José para o problema da educação entre os negros e os limites sócio-econômico e culturais que, muitas vezes, afastavam a minoria melhor colocada socialmente, da maioria da população negra que não tinha acesso ao ensino.
ETNICIDADE, NAÇÃO E CULTURAS: INTELECTUAIS NEGROS – EDUCAÇÃO E MILITÂNCIA
José Antônio dos Santos
UFRGS – PROREXT

Em outro trabalho encontrei um poema em homenagem aos esforços da Frente Negra Pelotense e dedicado entre outros a José Penny.

Pedras Altas

José Peny e Vargadas,

Duas penas cintilantes

Servis em todas cruzadas,

Com seus artigos brilhantes.

João Bueno, de Cacimbinhas

Outro valor que vai ser

Escreverá muitas linhas

Para aquele povo ler.

Demetrio Silva, também

Lutador e abnegado,

Conduz a sua pena bem

E aqui fica convidado.

Frente Negra Pelotense,

Orgulho de nossa raça,

O negro Pedrasaltense

Aqui te saúda e te abraça.

As tuas finalidades,

É [sic] a nossa aspiração

Abrange todas [sic] cidades

Buscando coordenação.

Nas vilas, nos povoados,

Teu desejo há de chegar

Para a que a raça orientada

Possa forte triunfar.

Miguel Barros, animador

Da cultura e da união,

Humberto de Freitas, o batalhador

De valor e vibração.

(A Alvorada, 30/09/1934, p.7).


 

José e A Alvorada

O meu avô teve uma presença bastante marcante no jornal. Começou sendo o travesso filho do chefe, o querido Zézé Penny, foi vigiado de perto pelo
Dr. Pescadinha, e se transformou no “prepatoriano” para Engenharia José Penny.

Juvenal fez o possível para o seu filho ter a melhor instrução, ingressou ele em um dos melhores ginásios de Pelotas, e depois enviou o filho para capital para prepararse para a Universidade estudando no colégio Julio de Castilhos.

Nesse momento meu avô escrevia muito no jornal, era muito crítico com a sociedade negra e com a petulância da juventude achava que tinha a solução para todos os problemas: a Educação.

Foi o criador da Campanha Pró-Educação, que ocupou a capa da «A Alvorada» uma boa temporada na década de 30. Nesse mesmo momento outros movimentos de caráter cultural e educativo surgiam no país inteiro. Possivelmente o resultado natural dos primeiros anos de industrialização e de criação de uma rede de serviços e comércios.

Em São Paulo o movimento negro fundou a Frente Negra Brasileira, que serviu de catalizador de uma nova juventude negra pelotense, que se uniu na Frente Negra Pelotense, que deixou o seu legado registrado nas páginas do jornal.